O risco oculto do Banco do Brasil: por que a carteira prorrogada importa
Nos resultados do 2º trimestre/2025 o Banco do Brasil (BBAS3) mostrou um quadro que exige atenção: a queda relevante no lucro já era conhecida, mas há um elemento estrutural menos evidente a carteira prorrogada do agronegócio que, segundo dados oficiais e perguntas de analistas na teleconferência, já representa uma parcela significativa da carteira agro e carrega risco de deterioração adicional. Em linguagem direta: parte da inadimplência pode estar apenas sendo adiada, o que empurra perdas para frente e pressiona provisões futuras. Acompanhe abaixo a checagem detalhada dos números, as implicações para dividendos e os cenários possíveis.
Os números que você precisa ter em mente
Principais métricas:
Lucro ajustado 2T25: R$ 3,8 bilhões (queda de ~60% a/a).
Guidance (projeção de lucro 2025) revisada: agora entre R$ 21 bilhões e R$ 25 bilhões (antes a faixa era 37–41 bilhões).
Payout (distribuição de proventos) para 2025: fixado em 30% (revisão feita pelo banco).
Inadimplência do agro (até 90 dias): R$ 12,73 bilhões percentual 3,49% da carteira agro (dados informados na teleconferência).
Carteira prorrogada (agro): a teleconferência registra que a carteira prorrogada representa cerca de 16% da carteira de agronegócios, equivalente a quase R$ 58 bilhões (figura citada pelos analistas/gestores presentes). Esse é o número explícito da própria teleconferência.
Carteira de crédito agronegócio (referência): aproximadamente R$ 404–406 bilhões (valores reportados nas apresentações/relatórios do trimestre).
Reação de mercado: as ações do banco do brasil caíram mais de 30% desde o reporte do 1T25, na sequência da divulgação dos indicadores adversos e da revisão de guidance.
O que é, tecnicamente, a carteira prorrogada e por que ela pode mascarar perdas
Definição prática: a carteira prorrogada (às vezes chamada de “prorrogações”) reúne operações que, em vez de serem classificadas como inadimplentes (estágio 3), tiveram parcelas adiadas ou reprogramadas sob comprovação de evento adverso (safra ruim, seca, enchente, etc.). Em muitos casos, a operação permanece formalmente ativa (estágio 1) mesmo depois da prorrogação o que melhora métricas superficiais de inadimplência, mas aumenta o risco futuro caso o cliente não recupere a capacidade de pagamento.
Diferença entre prorrogação, reestruturação e inadimplência
Prorrogação: adiamento de parcelas enquanto a operação continua ativa; exige justificativa e comprovação.
Reestruturação / reclassificação: alteração das condições contratuais (novos prazos, carência, descontos).
Inadimplência (>90 dias / estágio 3): quando o atraso é persistente, a operação sai do universo de adimplentes e passa a integrar a estatística clássica de calotes.
Porque é relevante: quando um banco aumenta prorrogações em volume significativo, a inadimplência visível (NPL > 90 dias) pode ficar relativamente moderada, enquanto riscos efetivos e perdas esperadas crescem por baixo da superfície. Isso exige provisões maiores — e, se a prorrogação aumentar demais, aumenta também a probabilidade de que parte dessas operações vire perda real. (Explicação didática, baseada em práticas de cobertura e provisões segundo a Resolução CMN 4.966/21.)
Evidências e verificação, o que os números oficiais mostram
Números do balanço e da teleconferência (2T25)
Na teleconferência de resultados do 2T25 a administração do banco do brasil apresentou dados detalhados. Dois pontos merecem destaque direto da fonte:
1. Inadimplência até 90 dias (agro): R$ 12,73 bilhões, ou 3,49% da carteira agro, a maior taxa histórica para o banco do brasil no segmento, segundo a própria administração.
2. Carteira prorrogada (agro): os próprios analistas na teleconferência citam que a carteira prorrogada corresponde a 16% da carteira agro, algo como quase R$ 58 bilhões, um volume material. A administração reconheceu desconforto com esse número e afirmou que a prorrogação segue critérios (edafoclimáticos, comprovação de recomposição de capacidade de pagamento), mas admitiu que a carteira “incomoda” e merece monitoramento.
Esses dados vêm da transcrição oficial da live de resultados do Banco do Brasil (15 de agosto de 2025). Por isso é correto considerá-los como base factual prioritária.
Evolução da carteira agro e composição
Tamanho da carteira agro: relatórios do período apontam a carteira de crédito agronegócio na faixa de R$ 404–406 bilhões, ou seja, a parcela prorrogada (R$ 58 bi) representa um montante relevante do total do setor do banco do brasil.
Concentração por culturas/rios: a teleconferência indicou concentração entre soja, milho e bovinocultura e maior incidência nas regiões Centro-Oeste e Sul (Rio Grande do Sul com quebras de safra pontuais). Essas características explicam por que a prorrogação agrava o risco sistêmico do segmento.
Como isso corrói o lucro e pressiona dividendos do banco do brasil
Impacto sobre provisões e payout
Maior provisão = lucro menor: com a adoção das regras de provisão por perda esperada (Resolução CMN 4.966/21) o banco precisa antecipar provisões à medida que os sinais de deterioração aparecem. No 2T25 o custo de crédito subiu fortemente e contribuiu para o lucro ajustado de R$ 3,8 bi. Isso já se refletiu na revisão do guidance para 2025 (R$ 21–25 bi).
Payout cortado: diante do cenário e da necessidade de conservar capital e provisionar, o banco do brasil revisou o payout para 30% para o exercício de 2025. A consequência prática é direta: menos lucro distribuído em forma de dividendos (mesmo que a taxa de dividendo permaneça atrativa por um tempo, o volume absoluto cai).
Como o mercado traduziu isso em proventos (cálculo rápido)
Raciocínio básico (ilustrativo): suponha lucro de R$ 23 bi (ponto médio guidance 21–25 bi) e payout de 30% → proventos distribuídos ≈ R$ 6,9 bi. Se a expectativa anterior era payout de 40–45% sobre lucros maiores (R$ 37–41 bi), o corte reduz fortemente o montante a ser distribuído. É por isso que, mesmo que o banco historicamente atraísse investidores por yield, o apetite por banco do brasil fica pressionado se o novo cenário persistir.
Como o mercado reagiu (cotação e sentimento)
Queda relevante da ação: a divulgação do 2T25 e a revisão de guidance levaram a uma queda de mais de 30% nas ações em relação ao patamar após o 1T25, refletindo o receio do mercado quanto à qualidade do crédito no agro e à perspectiva de proventos menores.
Movimentos complementares: desconfiança gerou realocações de carteiras (alguns investidores migrando para bancos com dividendos mais estáveis) e aumento de atenção regulatória/institucional. O rumor sobre exposição a medidas internacionais (discussão sobre Magnitsky em redes e imprensa) adicionou volatilidade e preocupação reputacional.
Risco regulatório e o fator internacional (menção à Lei Magnitsky e rumorologia)
Há duas frentes de risco não-operacionais que foram citadas pelo mercado:
1. Rumores sobre possível avaliação por autoridades dos EUA, via Leis como a Magnitsky: houve intensa circulação de posts e notícias sugerindo risco de sanção. O banco do brasil tomou providências públicas para combater desinformação e solicitou ações legais em relação à difusão de notícias que poderiam causar corridas e pânico. O episódio mostra que, além do risco creditício, há risco reputacional e político que pode afetar o negócio (especialmente operações internacionais e custódia).
2. Medidas internas (MP/apoio do Tesouro ao agro): o governo anunciou linhas e repasses (ex.: R$ 12 bilhões em medidas para renegociação), conforme detalhado no Portal do Planalto, buscando atenuar a pressão sobre produtores e bancos. Essas ações podem mitigar parcialmente o efeito sobre o setor, mas não eliminam a necessidade de provisão caso a deterioração se mantenha.
Cenários plausíveis e cálculo rápido de efeito nos proventos do banco do brasil
Vamos estruturar três cenários simples e plausíveis — todos partindo dos dados oficiais (guidance revisado, payout 30%, carteira prorrogada ~R$58 bi):
Cenário conservador (pior)
Premissas: lucro 2025 no limite inferior do guidance (R$21 bi), prorrogações que se convertem em perdas adicionais e novas provisões; pressão sobre ROE e necessidade de capital incremental.
Efeito nos proventos: proventos ≈ 0,3 × 21 = R$ 6,3 bi. Yield cai em relação ao histórico; expectativas de recuperação mais lenta.
Impacto acionário: preços permanecem deprimidos; investidores de dividendos tendem a realocar.
Cenário base (expectativa do banco)
Premissas: lucro 2025 na mediana (R$23 bi), parte das prorrogações resolve com recuperação parcial, provisões controladas.
Efeito nos proventos: proventos ≈ 0,3 × 23 = R$ 6,9 bi. Ainda menor do que em cenários anteriores ao corte de payout.
Cenário otimista (recuperação)
Premissas: recuperação climática e de preços das commodities, parte expressiva da carteira prorrogada reverte sem perda (recuperação da capacidade de pagamento), lucro reverte para topo do intervalo (R$25 bi).
Efeito nos proventos: proventos ≈ 0,3 × 25 = R$ 7,5 bi. Melhora, mas ainda abaixo do que seria com payout maior e lucros originais de 37–41 bi.
> Observação: esses cálculos são ilustrativos (aritmética direta). O dividend yield real dependerá também da cotação da ação, por isso o mesmo volume de proventos pode gerar yield maior se a ação do banco do brasil estiver muito deprimida, e vice-versa.
O que um investidor de longo prazo (pessoa física) deve considerar agora
A postura depende do seu horizonte e objetivo. Seguem pontos práticos e objetivos:
Checklist prático (nível operacional)
Verifique a exposição ao agro no seu portfólio. Se você já detém banco do brasil em quantidade relevante e depende de dividendos, considere revisar peso e risco.
Monitore trimestralmente:
1- Evolução da carteira prorrogada (valor e % sobre a carteira agro).
2- Índices de NPL (>90d) por segmento.
3- Provisões (custo de crédito). Use relatórios oficiais e transcrições (teleconferências) como primeira fonte.
Considere alternativas: bancos concorrentes (Itaú, Bradesco, Santander) podem apresentar dividendos mais estáveis, dependendo do seu perfil. Não troque por impulso, avalie valuation e fundamentos de cada caso.
Avalie cenário macro/commodity: preços de soja e milho, perspectiva climática (safras no Sul), e taxa Selic afetam a capacidade de pagamento dos produtores, acompanhe esses fatores.
Tenha reserva de liquidez caso decida rebalancear: mercado pode permanecer volátil até que a qualidade de crédito do agro se estabilize.
principais sinais de alerta e pontos de monitoramento
Sinais de alerta (short list):
Crescimento da carteira prorrogada (valor absoluto e % da carteira agro).
Aumento contínuo do NPL > 90 dias no agro e em MPMEs.
Novas revisões de guidance (lucro menor) ou manutenção de payout reduzido.
Ruídos externos de natureza reputacional/regulatória (ex.: discussões sobre Magnitsky ou reportagens que liguem o banco do brasil a riscos internacionais).
Pontos a favor que podem limitar o estrago:
Banco do Brasil tem capilaridade e escala no agro (participação de ~50% do mercado em alguns momentos) e políticas internas para concessão e cobrança — isto não elimina risco, mas é um fator de resiliência.
Medidas governamentais para renegociação/apoio ao produtor (recursos do Tesouro, MP) podem atenuar o impacto sistêmico, embora não resolvam casos de insolvência.
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